Observador do Planeta

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Respeitem o Museu Nacional!

segunda-feira, 5 de setembro de 2022


Nesta sexta-feira, dia 2, fez quatro anos que o Brasil perdeu um de seus museus mais icônicos, parte significativa da própria História do país, de seus tempos de colônia de Portugal e de Império das Américas. Num domingo quente de 2018, a casa de força do Museu Nacional, da Quinta da Boa Vista, ardeu em virtude de um curto circuito, igual a muitos outros que ocorreram, por inúmeras vezes. A última delas, por sinal, no domingo anterior ao fogo que devastou o Palácio Imperial, pouco mais de uma hora depois do fim do horário de visitação.

O único vigilante que tomava conta do prédio nada pôde fazer, além de chamar os Bombeiros, é claro. Como nada fez também o sistema de prevenção contra incêndio, destroçado pela falta de manutenção e pela absoluta irresponsabilidade dos administradores da instituição.

Em plena Semana da Pátria, enquanto São Paulo reinaugura o Museu do Ipiranga, em comemoração ao Bicentenário da Independência, no Rio deu-se um evento patético: a 'reinauguração', com pompa e circunstância, da fachada, isso mesmo, da fachada do Paço de São Cristóvão. Ornada com disfarces para esconder que o edifício remanesce em escombros até hoje, como se o incêndio houvesse acontecido há poucos dias e já não tivessem sido consumidos centenas de milhões de Reais na recuperação do prédio.

A pergunta que não quer calar é: quem matou - e continua matando - o Museu Nacional?

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Depois do princípio de incêndio de 26 de agosto de 2018, uma semana antes da tragédia, provocado por um gato (não a ligação clandestina, mas um bicho, que acessou, como muitos outros, em ocasiões anteriores, a casa de força, provocando contatos elétricos que não deveriam ser provocados), parte significativa do acervo chegou a ser recolhida do museu, nos dias seguintes, deixando redomas ostensivamente vazias. Uma retirada frenética de itens aconteceu nos três dias que antecederam o fogo, o que, na boa vontade, pode-se creditar ao pressentimento de uma tragédia anunciada. Na má vontade, contudo... Recomenda-se investigar mais a fundo.

Fato é que, pelo menos desde 2016, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal já tinham conhecimento de episódios de incêndio e até de furto de acervo. Como se não bastassem esses eventos pregressos, desde algumas semanas atrás, o portal do Diário do Rio vem repercutindo reportagens do Jornal do Brasil, que denunciam um esquema de corrupção nas obras, com uso irregular do dinheiro destinado à reforma do Museu, que vem sendo desviado de sua finalidade, sob as barbas de quem deveria zelar por ele.

Todos esses acontecimentos se juntam para atestar o óbvio: a Universidade Federal do Rio de Janeiro não tem condições de gerir o Museu Nacional. E ponto. Desde os anos 1940, quando aconteceu o primeiro incêndio no palácio, de pequenas proporções, isso vem sendo discutido. Mas a vinculação do museu à universidade, ainda que inadequada por uma série de aspectos administrativos, acabou prevalecendo.

Em 1991, o Banco Mundial fez uma oferta, de US$ 80 milhões - cerca de R$ 400 milhões pelo câmbio atual - para assumir o museu e dotá-lo de condições adequadas de funcionamento. A negociação se deu por intermédio do ex-prefeito Israel Klabin, que fora aluno de Engenharia da Escola Politécnica. Mas o meio acadêmico da UFRJ deu chilique, esperneou com a 'ousadia', e a vaidade da 'autonomia universitária' fez valer a sua força: aí, nada de 'intervenção externa'.

O valor desse investimento deixado de fazer, há 30 anos, equivale ao montante que se prevê gastar, hoje, para reconstruir, dentro do possível, o museu, a partir de suas cinzas.

A reforma que vem sendo conduzida - ou que não vem sendo conduzida, já que o cenário de destruição do local é basicamente o mesmo de quatro anos atrás - tem ainda outro aspecto a ser discutido. Os gestores da reforma do Museu Nacional precisam compreender que o Rio de Janeiro e o Brasil não querem uma ruína gourmet. De paredes brutas, com tijolos sem emboço, e vigamentos de aço sustentando passadiços modernosos, saídos das alucinações de arquitetos cuja criatividade mostra-se sem compromisso com o valor e a história do Palácio Imperial. O Paço de São Cristóvão merece e precisa ser reconstruído segundo seu aspecto original. Há um resgate a ser conduzido, com critério e, acima de tudo, responsabilidade. Não existe escolha: a descaracterização é inegociável e deve ser refutada com todos os argumentos e por todos os meios.

Respeitem, pois, o Museu Nacional!

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Em breve, numa nova oportunidade, vou me permitir falar de outras mazelas que remetem à UFRJ. Não por implicância gratuita, mas pelo alerta contra o seu desmantelamento. Exatamente pelo carinho que possuo pela universidade. Tenho dez dos meus 60 anos vividos na Ilha do Fundão, como aluno de graduação e de mestrado, tempo durante o qual aprendi, junto com os ensinamentos dos Professores, a valorizar e respeitar aquela casa. Casa, no sentido mais acolhedor que a palavra possui.

Quero crer que entremos, a partir do ano que vem, numa nova fase do processo de recuperação das instituições públicas de ensino, em particular das de ensino superior. Nossas universidades têm gente competente, para que se tornem centros verdadeiros de produção de conhecimento. Sem paixões políticas insanas nem contaminação ideológica de efeitos devastadores.

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Comentário simultaneamente publicado no Observador do Planeta e exibido em vídeo no YouTube, no canal InstantNews.1.

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