Observador do Planeta

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Direito autoral x direito à informação

segunda-feira, 4 de julho de 2022


Observo que uma das formas de cerceamento da liberdade de expressão que se impõe às pessoas, modernamente, se prende à questão dos direitos autorais. Invariavelmente, temos postagens censuradas (ou ameaçadas de censura), nas mídias sociais, muito no Facebook ou no YouTube, porque haja trechos de obras que encerram propriedade intelectual, e esses provedores se imbuem do papel de defensores dos interesses dos autores, sem serem chamados a isso.

Não se trata de uma crítica ao direito autoral em si, mas à forma como isso vem sendo administrado - ou não administrado - hoje em dia. A menor exposição, involuntária, da imagem de uma pessoa ou de uma marca, ainda que fora do contexto do que se publica e sem que essa publicação seja danosa, pode sujeitar uma pessoa a processos por uso indevido da imagem; e, ao proponente da ação, beneficiar-se de um dinheiro fácil, em virtude de uma situação não intencional.

Será que, justo em tempos de comunicação avançada, com recursos tecnológicos em profusão e com o mundo sedento por informações, com cada vez mais voracidade, é correto que sejamos refreados em nosso desejo de informar e na nossa necessidade de saber, deste modo tão violento?

Quais são os limites da propriedade intelectual, por exemplo, de uma notícia? Seu aspecto perecível e seu valor como informação histórica não deveriam provocar que revíssemos o direito ao acesso a ela? Quanto vale uma matéria de jornal, no seu ciclo de consumo?

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'Muita coisa que está nos livros foi um dia notícia só. A História se faz no tempo, como a pedra se faz do pó.' Essas duas frases iniciais da canção composta para uma belíssima propaganda dos 150 Anos do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em 1977, traduzem essa ideia: do fato jornalístico que se transforma em fato histórico. Hoje, é notícia; e amanhã, já será História.

Claro que a produção de notícia tem um custo. Pelo qual o veículo de informação é remunerado através da venda de exemplares (ou de assinaturas digitais), de espaços publicitários, de direitos de transmissão e outras formas mais. É parte de um cálculo complexo que define o preço de venda. Mas a partir de quando cessa, em tese, o valor da notícia como tal e surge o valor do fato histórico, de algo que ganhou espaço na linha do tempo? E que valores seriam esses?

Hoje, com a democratização dos celulares e do acesso às mídias sociais, um acontecimento na rua pode estar disponível para milhões de pessoas em poucos minutos. E transformar-se em pauta de jornal. Que vai trabalhar essa informação e devolvê-la a nós, cobrando pela visualização em sua edição online. Que curioso!

Voltando uns quinze anos no tempo, quando já tínhamos celulares, alguns dos quais dotados da função de registro em foto e vídeo, mas as mídias sociais ainda não tinham conquistado o nosso universo, era um pouco diferente. O flagrante de rua, como um acidente de trânsito, era mandado por nós para um jornal e, a critério do jornal, podia ser veiculado em sua edição digital e até na escrita, dado o crédito ao autor da foto, que nada recebia por ela além da fama pelo registro.

E, bem antes dos celulares, quando a tríade de comunicação se resumia a jornais e revistas; rádios AM e FM; e televisão aberta de sete canais VHF, esses flagrantes, quando obtidos pela perspicácia ou pela sorte de alguém com uma câmera fotográfica ou uma filmadora à mão, podiam valer uma fortuna e eram disputados pelos veículos de comunicação.

Dois casos emblemáticos no Rio de Janeiro, de um incêndio num ônibus na Tijuca, em 1993, flagrado por uma turista a quem restava uma chapa na máquina fotográfica; e do desabamento de um prédio no Flamengo, em 1975, que seria implodido três dias depois para a construção de um trecho do metrô, renderam um bom dinheiro a cada um desses 'jornalistas de ocasião',que tiveram a sensibilidade de captar e eternizar aqueles momentos.

Eu sou defensor da ideia de que se deveria estabelecer, por lei, gratuidade de acesso ao acervo dos jornais diários, para qualquer tipo de busca, a partir do momento que a notícia perca o seu 'prazo de validade'. Ou seja: no dia seguinte à sua publicação, baseado no 'princípio do jornal de ontem', criado por mim. Afinal de contas, quanto vale o jornal de ontem? Vale apenas o papel em que foi impresso, para fins de reciclagem, como forração genérica de superfícies com fins de pintura, ou, ainda, como banheiro de animais de estimação. Enfim, a notícia perde o imediatismo que lhe confere valor e vira um registro histórico. E morre junto o aspecto da propriedade intelectual que habilita essa comercialização.

Isso é parte da democratização da informação, da forma como eu penso.

Mas as chatices relacionadas à esse tipo de posse não param por aí. O marketing não intencional, nesse mesmo espírito da exibição de uma imagem fora do contexto, virou outra dor de cabeça, capaz de posturas absolutamente patéticas de algumas mídias. O que se vê nos dias de hoje são coisas como evitar dizer o nome do hotel onde está hospedada uma banda de rock que vai se apresentar num festival, não para preservar a privacidade dos integrantes, mas para não fazer propaganda gratuita do estabelecimento! Ou, em meio a uma matéria jornalística, borrar a marca do boné ou da blusa de um entrevistado, pela mesma razão! Neste segundo caso, fica ainda pior, porque se está violando a realidade, já que parte da situação mostrada está sendo apagada como registro, não importando o que seja.

Desviar a câmera para não mostrar, até tudo bem. Mas cobrir uma marca com efeito especial é, literalmente, tirar o foco. Aliás, nosso jornalismo anda precisando mesmo trocar de óculos: quando não enxerga errado, mostra-se cego a um monte de evidências que estão na sua cara. Um olhar que tem sido nocivamente seletivo, nos últimos tempos.

Parece não existirem limites éticos em relação a tudo isso. Ao que se vê, ao que se faz questão de não ver e, principalmente, ao que não existe, mas que se quer que seja visto como se compusesse a realidade visível.

A novidade mais recente, noticiada neste fim de semana, fica por conta de um comunicado do Google relacionado à questão da posição da suprema corte americana sobre o aborto. O portal anunciou que vai eliminar, do histórico das pessoas (aquele que ele faz com o Google Maps, em cima do rastreamento georreferenciado do celular na 'linha do tempo', quando habilitado pelo dono do aparelho), todas as idas que elas tenham feito a clínicas de aborto. Ou seja: uma intromissão, através de alteração da realidade, que tem por objetivo, segundo a empresa, o resguardo da privacidade.

Claro que compreendemos, não é, Google. O confinamento obrigatório e a coerção à vacinação contra a peste chinesa, sob pena de restrição a ter acesso ao próprio trabalho e a serviços públicos, até atendimento hospitalar de emergência, também foram feitos com o intuito do bem comum, da preservação da saúde e das vidas de todos, da garantia da normalidade do mundo.

O inferno está cheio de boas intenções. E o capeta só está de olho na galera aqui, com as ações de cunho social de uma meia dúzia de poderosos.

E você, tem percebido essa manipulação, em relação ao que você deseja para a sua vida e à sua percepção das coisas à sua volta?

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Comentário simultaneamente publicado no Observador do Planeta e exibido em vídeo no YouTube, no canal InstantNews.1. 

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